Precisamos falar sobre “clean beauty”

Precisamos falar sobre “clean beauty”

atualizado em publicado em 1 de outubro de 2020 nenhum comentário CIÊNCIA
Tempo de leitura: 5 minutos

Clean beauty” é uma indústria milionária que deu um boom desde 2018, com o surgimento de inúmeras marcas alegando esse novo conceito. Segundo elas, ele seria, de alguma forma, sinônimo de skincare natural. Muitas vezes os produtos também são chamados de não-tóxicos. Mas a verdade é que todos esses termos são incrivelmente vagos.

Como médico e especialista em dermatologia, fico confuso tentando entender do que os consumidores e marcas estão falando – e vou desenvolver o meu ponto de vista profissional para você.

Como tudo isso começou?

Vamos voltar alguns anos no tempo. Algumas marcas surgiram com o termo “clean beauty“, demonizando ingredientes aleatórios e alegando superioridade porque não usavam tais ingredientes.

É importante dizer que essa “lista de ingredientes proibidos” foi feita por um grupo de pessoas que não são cientistas, não são pesquisadoras, não são médicas. São pessoas que às vezes interpretam erroneamente a literatura médica e usam disso para promover produtos por puro interesse financeiro.

O que acontece é que o mundo está gastando bilhões de dólares por ano em produtos que sequer têm um conceito definido do que são.

A Food and Drug Administration (FDA), por exemplo, não tem definição do que são cosméticos “clean beauty” nem de não-tóxicos.

Então, do que as marcas estão falando?

Nada!

Em resumo, podemos dizer que “clean beauty” é apenas uma estratégia de marketing para vender produtos que alegam ser superiores, mas não têm respaldo algum da ciência.

Não estou aqui para dizer para você abandonar seus produtos “clean”, nem para dizer que são ruins. Apenas digo que não diferem em nada dos outros produtos.

O que a ciência mostra?

Os ingredientes que o movimento escolheu demonizar e remover de seus produtos são ativos usados há décadas na dermatologia. Nós, os profissionais da área, os conhecemos profundamente e eles funcionam muito bem.

O propilenoglicol foi atacado por ser uma substância “anticongelante”, mas na verdade é um ingrediente encontrado em centenas de medicações. Ele ajuda os ingredientes a penetrarem na pele, auxiliando a ação da medicação – além de ser umectante.

Outro ingrediente demonizado é o tão benigno petrolato, que é acusado de ser tóxico e carcinogênico. E isso não é verdade. É um dos ingredientes preferidos dos dermatologistas. É um ingrediente fantástico, um poderoso hidratante que ajuda muito na pele sensível e ressecada, além de ser não-alergênico. Não é nem HIPO-alergênico: dentre todas as coisas que você poderia aplicar na sua pele, petrolato é provavelmente a substância mais segura porque não penetra. Ele é tão seguro que pode ser aplicado em pele lesionada ou queimada, o que ajuda muito na cicatrização e prevenção de infecções. O ataque ao óleo mineral ou petrolato é completamente infundado e não tem nenhum respaldo científico. A única literatura que fala mal do petrolato é produzida pela própria indústria “clean” com interesse em promover seus produtos livres de pretrolato.

Outra ideia que a indústria cosmética do “clean beauty” coloca na cabeça dos consumidores é que os conservantes são substâncias a serem temidas, que são disruptores endócrinos. E, novamente: nenhum, nenhum dado científico sobre isso. Nós usamos esses ingredientes por décadas e décadas e não há nenhuma correlação entre esses conservantes e nenhuma doença humana.

Parabenos são demonizados enquanto na verdade são os conservantes mais seguros nos produtos de skincare. Em 2019 a Associação Americana de Dermatologia classificou os parabéns como os conservantes mais seguros e os menos prováveis de causarem problemas como irritação e sensibilidade. E parabenos, no momento, têm uma péssima fama por razão alguma.

Outros conservantes atacados são os liberadores de formaldeído, que tanto na Europa quanto nos EUA já foram estudados e classificados como substâncias absolutamente seguras. Infelizmente essa mania de evitar conservantes (que, a propósito, são MUITO importantes nos produtos de skincare) já levou a sérios problemas envolvendo produtos contaminados por fungos e bactérias nos Estados Unidos. Isso é um assunto sério. Nós PRECISAMOS de conservantes nos nossos produtos para que eles se mantenham seguros. Mas, por algum motivo, a indústria “clean” decidiu que conservantes são ruins (e casos de infecções de pele e oculares já foram relatadas por uso de produtos sem conservantes e contaminados).

Um dos problemas criados por essa onda “paraben-free” foi que a indústria substituiu os parabenos por um conservante chamado isocianato de metila, que é muito sensibilizante e mais provável de causar dermatite de contato alérgica nas pessoas. Como resultado, hoje nós temos um aumento da incidência de pessoas desenvolvendo dermatite de contato devido ao isocianato de metila.

Muitas vezes as empresas constroem campanhas de marketing, até citando artigos científicos interpretados de forma errada. Muitas vezes essas pessoas apenas não têm a formação necessária para interpretar um artigo científico e seus resultados, sua reprodutibilidade na população. São empresas e grupos interessados em promover seus produtos como se fossem superiores. 

O polietilenoglicol é muito utilizado nos cosméticos, o que facilita o seu enxágue principalmente em produtos de higiene corporal ou facial. O site ewg.org, por exemplo, o classifica como “substância de risco moderado” ao mesmo tempo que admite que “não existem dados o suficiente para se afirmar isso”.

Você pode desenvolver alergia a qualquer coisa, inclusive aos ingredientes que alegam ser “clean”. Na verdade, você tem mais chances de ter a pele sensibilizada, muitas vezes porque esses produtos levam óleos essenciais em sua composição e extratos botânicos que podem ser a origem da sua dermatite de contato irritante ou alérgica, ou mesmo fotodermatose, que é um rash que se desenvolve quando você se expõe ao sol após aplicar determinados extratos botânicos na pele.

Concluindo, é muito mais provável você ter uma reação alérgica usando produtos “clean”, que levam óleos essenciais e extratos botânicos, do que produtos com parabenos (que são muito mais seguros).

REFERÊNCIAS

The NPD Group. U.S. Prestige Beauty Industry Sales Grow 6 Percent in 2018, Reports NPD. Makeup In-Depth Consumer Report 2018.

Fransway AF, Fransway PJ, Belsito DV, et al. Parabens. Dermatitis. 2019;30(1):3-31 Deza G, Giménez-Arnau AM. Allergic contact dermatitis in preservatives: current standing and future options. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2017;17(4):263-268.

Califf RM, Shinkai K. Filling in the evidence about sunscreen. JAMA. 2019;321(21):2077-2079. Kiken DA, Cohen DE.

Contact dermatitis to botanical extracts. Am J Contact Dermat. 2002;13(3):148-152. Corazza M, Borghi A, Lauriola MM,

Virgili A. Use of topical herbal remedies and cosmetics: a questionnaire-based investigation in dermatology out-patients. J

Natural Does Not Mean Safe—The Dirt on Clean Beauty Products. JAMA Dermatol. 2019;155(12):1344-1345.

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Jess Carvalho

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